Viajar ou não: incertezas da pandemia geram dúvidas e até agressividade entre viajantes

Por César Augusto

Depois do golpe que o setor turístico levou com a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus em março passado, o segundo semestre iniciou com expectativas entremeadas com dúvidas para quem planeja suas viagens: o momento é seguro para manter os planos ou se deve esperar mais um pouco? De um lado, vários países começam aos poucos a voltar à normalidade tendo controlado a incidência da covid-19; de outro, o surgimento de novos casos obrigou a volta das restrições que tanto afetaram o mercado de turismo, com cancelamentos de voos, fechamento de aeroportos e rodoviárias.

Entre as duas situações, as empresas aéreas demonstram otimismo e buscam estimular os turistas a viajarem, com apelo para os protocolos de segurança, principalmente o uso de máscaras. Não é para menos: a pancada foi violenta no setor. Segundo levantamento feito até abril passado pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o número de passageiros transportados no turismo doméstico caiu de 9,26 milhões em janeiro, antes da pandemia provocar as medidas restritivas em território nacional, para pouco mais de 399,5 mil em abril. O impacto pode ser medido considerando-se o índice do ano anterior: no mesmo mês, em 2019, foram 7,73 milhões de passageiros transportados. O número de decolagens indica bem esse drama: enquanto em abril do ano passado foram 62 mil decolagens, doze meses depois foram somente 4.315.

Fabíola Abess, jornalista: show cancelado em São Paulo e incerteza quanto aos projetos

Diante das incertezas, o turista fica indeciso sobre qual decisão tomar. A jornalista Fabíola Abess, 33, está dividida. Ela já havia comprado os ingressos para o Festival Folclórico de Parintins, cuja realização em junho havia sido cancelada e, por enquanto, remarcada para novembro. Além disso, tem passagens já compradas para São Luís (MA) para o feriado prolongado da Semana da Pátria, em setembro. “Sinceramente, ainda não sei o que fazer. Um lado meu tem medo, pede cautela e distanciamento social enquanto não houver vacina, o outro é o espírito de mochileira clamando por viagem”, declarou.

Cautela também é o lema da administradora Winnie Duarte Buriti de Moura, 33. Sua viagem para o Rio de Janeiro seria em abril, mas acabou sendo cancelada. A nova data é em novembro. “Se houver a possibilidade de a situação estar mais controlada”, frisou. O mesmo destino, só que em outubro, deverá ser o da auxiliar de escritório Alessandra Carvalho, 27, com a esperança de que a situação tenha ao menos amenizado. A viagem deveria ter acontecido como parte de um roteiro de férias que ela havia iniciado em março pela Argentina, quando ainda não havia casos de covid-19 confirmados. De lá ela seguiu para a Bahia, quando começaram as restrições seguintes aos registros da pandemia. “Cheguei à Bahia dia 16 [de março], com três dias veio o primeiro decreto de isolamento social. Fiquei sete dias dentro do hotel sem poder sair para canto algum que não fosse supermercado e farmácia”, relembrou. Seu próximo destino seria justamente o Rio de Janeiro, onde havia agendado a solicitação de visto americano. “Tive que trocar o voo voltando para Porto Velho (RO) direto de Porto Seguro, o que me custou 860 reais, taxa de alteração essa que meu seguro de viagem não cobriu pelo fato de ser pandemia”, contou. As passagens, hospedagem em hostel e a taxa paga para o Consulado dos Estados Unidos ficaram como saldo para remarcação no prazo de um ano. “Estou com passagens emitidas também para fora do Brasil no próximo ano, em março. Espero que seja possível realizar a viagem”.

Winnie Duarte: viagem reprogramada depende do controle da pandemia no país

O professor Frank Gundim Silva, 38, tem hoje uma percepção mais flexível sobre o assunto. “Até pouco tempo atrás eu achava insano alguém planejar uma viagem nesse período de pandemia. Hoje acho que existe gente que está relaxada com o vírus (o que gera ações irresponsáveis) e existe quem está aprendendo a lidar com ele”, opinou. “Se a pessoa vai viajar com toda precaução e responsabilidade, por que não fazer? Mas sabe que tem assumir o risco de se contaminar, pois ele é real”, acrescentou.

Pânico e sufoco

Como Alessandra, muitos viajantes tiveram que interromper suas viagens e passaram sufoco para retornar para suas casas, com aeroportos sendo fechados e fronteiras interestaduais e internacionais com restrições para transporte rodoviário de passageiros. Fabíola Abess estava em São Paulo para um show dos Backstreet Boys, marcado para 15 de março. “Um dia antes, o governador [João Dória] baixou um decreto proibindo eventos. O show estava com ingressos esgotados, com estimativa de 45 mil pessoas no Allianz Parque”, lembrou. Apesar da promessa da organização de remarcar a data, até o momento o evento segue sem previsão de nova realização.

Frank Gundim: sem segurança no momento para articular planejamentos de viagens

Winnie Duarte e Frank Gundim tiveram mais sorte. Segundo a administradora, em seu retorno do Rio de Janeiro para Manaus no dia 3 de março já havia um clima de pânico nos aeroportos, após a confirmação de um caso de covid-19 naquele Estado e outro em São Paulo. “Na semana seguinte começou a quarentena obrigatória. Então, viajei com a liberdade que tínhamos antes da pandemia e voltei com o clima tenso, e assimilando aos poucos que muitas coisas iriam mudar”, disse Winnie. Desse modo, toda a programação que ela havia feito foi concluída com sucesso.

A última viagem de Gundim, morador de Palmas (TO), antes da crise, foi durante o carnaval, para Brasília. “Já havia o caso em Wuhan [China] e aqui ainda não tinha sido veiculado nada. Só quando cheguei [em Palmas] veicularam a notícia sobre o italiano que chegou contaminado em São Paulo e depois pipocaram os casos no Brasil”, contou.

Críticas e agressões

Para quem programa suas viagens (domésticas ou internacionais) com alguma esperança de que a pandemia esteja sob controle, com o surgimento de alguma vacina ou com a devida valorização das medidas de prevenção – infelizmente ignoradas por um grande número de pessoas por todo o mundo – , ainda há um problema a ser enfrentado: as críticas e a agressividade de quem enxerga na atitude do viajante descaso com a situação.

Alessandra Carvalho na Argentina: roteiro teve que ser alterado por conta da pandemia

Embora haja diversas medidas sanitárias tomadas nos destinos turísticos, pelo menos em teoria, para a segurança da saúde do viajante, o medo e a falta de confiança chegam a criar verdadeiras batalhas virtuais nas redes sociais. A peleja começa nos grupos destinados à troca de informações sobre viagens quando um internauta faz perguntas sobre determinado destino em alguma época deste ano. É o princípio de uma enxurrada de xingamentos e comentários agressivos em sua maioria, como se pensar em viajar agora fosse anúncio de um crime hediondo prestes a ser cometido.

“É um assunto sensível, porque neste momento é preciso pensar no coletivo”, afirmou Winnie Duarte. “Minha reprogramação é de acordo com os dados que mostram que a situação já está mais sob controle e, óbvio, onde é permitido turistar”, acrescentou. Ela participa de grupos em redes sociais, entretanto não expõe seus planos para não receber críticas. Já Alessandra Carvalho, integrante de alguns grupos, sentiu a fúria virtual. “Fui atacada por um comentário que fiz na postagem de outro integrante do grupo. Acho desnecessário esse ataque, essa euforia. Os grupos existem justamente para troca de experiências, informações e para distrair desse momento tão duro em que estamos vivendo”, opinou. Para ela, todos os cuidados devem ser tomados. “Mas acho que já passamos da época de se isolar totalmente e de voltar a viver aos poucos com precaução. Até porque eu mesma me infectei em casa, sem nenhum tipo de convivo com outras pessoas”, acrescentou.

Participante do Couchsurfing Manaus, a jornalista Fabíola Abess contou que já houve brigas por conta do relaxamento promovido pelo governo em restaurantes e outros estabelecimentos. “Mal reabriram os locais e alguns membros questionaram quando haveria meeting novamente, postando fotos em flutuantes e outros lugares, sem máscara. Fiquei irritada e saí do grupo, pois ainda estou em isolamento, saindo muito pouco de casa”, disse. Para ela, o retorno só será possível quando houver real segurança em Manaus. “Quanto a pedir informações sobre viagens, não recebi nenhum ataque ao perguntar sobre quem iria para eventos da comunidade em outras capitais”.

Apesar de participar de grupos com o tema nas redes sociais, Frank Gundim não tem costume de pedir dicas. “Vou a sites pesquisar sobre a cidade. Se gostar, mergulho no desconhecido”, afirmou. Para este ano, as viagens programadas foram todas canceladas. “Só viajarei novamente quando me sentir seguro. Neste momento, não me sinto”.

Fotos cedidas de arquivos pessoais

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