Floresta amazônica reduz capacidade de absorção de carbono chegando a quase zero

Fundamental para a estabilidade do clima do planeta, a floresta amazônica, que até alguns anos absorvia carbono em quantidades muito significativas, do ponto de vista de balanço de carbono total, reduziu essa capacidade e hoje está chegando a zero. Os cientistas consideram a situação preocupante. Em um cenário futuro de mudanças climáticas, em que eventos extremos de secas e grandes inundações são mais frequentes, é possível que a floresta comece a perder carbono para a atmosfera piorando o já grave aquecimento global.

O alerta foi feito no Workshop “As dimensões científicas, sociais e econômicas do desenvolvimento da Amazônia”, realizado em agosto no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O evento foi organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Inpa e Instituto Wilson Center.

As pesquisas na região mostram que a Amazônia é um ecossistema altamente crítico no clima global, controlando o ciclo hidrológico, a chuva sobre a própria Amazônia e sul do Brasil, e que armazena uma quantidade enorme de carbono. A ciência estima que a Bacia Amazônica abrigue 16 mil espécies de plantas arbóreas. Já se sabe também que a estação seca na Amazônia está se ampliando em seis dias por década, o que pode parecer pouco, mas é uma alteração significativa.

Segundo o coordenador do workshop e professor da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, a floresta amazônica até cerca de 10 a 20 anos fazia um serviço ambiental muito importante de reter todos os anos meia tonelada de carbono por hectare. Este serviço ambiental agora está indo para zero. “Nosso medo é que, a partir de agora, a floresta, além de perder carbono para a atmosfera, e como ela corresponde a dez anos da queima de combustíveis fósseis, perca mais 2%, 3% ou 4% do carbono, pois isso vai aumentar muito o efeito estufa”, disse Artaxo, que também é gerente científico do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA/Inpa/MCTIC).

Segundo o cientista, hoje a floresta é neutra do ponto de vista do carbono. Mas se forem diminuídas as emissões haverá possibilidade de voltar a ter a floresta retendo mais carbono do que emite. “É por isto que temos de lutar hoje”, afirmou.

Paulo Artaxo, cientista e professor da Universidade de São Paulo (USP), durante o workshop realizado pelo Inpa (Foto: Cimone Barros/Ascom Inpa)

As florestas tropicais são o lugar do mundo em que mais se estoca carbono na Terra. O carbono é o quarto elemento mais abundante na atmosfera e é um dos gases de efeito estufa. De acordo com o pesquisador da USP, Luiz Martinelli, se a floresta faz mais fotossíntese do que ela perde carbono pela respiração, essa floresta tende aumentar sua biomassa.

“É disso que estamos precisando, porque, devido ao grande aporte de carbono e CO2 na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis, o clima da Terra está mudando. Então, é extremamente benéfico para o clima que a Amazônia continue limpando esse excesso de carbono na atmosfera, mesmo que lentamente”, explicou Martinelli.

As pesquisas apoiadas pela Fapesp e realizadas em colaboração com o Inpa serão apresentadas em um workshop em Washington, no dia 25 de setembro. A proposta é apresentar para o Banco Mundial e o Fundo Amazônia quais as necessidades de pesquisas que se tem na Amazônia atualmente.

“O Inpa desenvolve pesquisas em várias áreas, desde questões climáticas, agricultura sustentável até tecnologias sociais, que no seu conjunto podem ser aproveitadas para se ter desenvolvimento com base sustentável na região. A questão central é conseguirmos ter ressonância com os políticos quando vão construir os caminhos para a Amazônia”, destacou o coordenador de Pesquisas do Inpa, o pesquisador Paulo Maurício Alencastro.

Ponto de não retorno

De acordo com a pesquisadora do Inpa, Maria Teresa Fernandez Piedade, empresários, políticos e tomadores de decisão precisam entender que a devastação da Amazônia está chegando a um ponto de não retorno, e que isso será prejudicial para todos. Há fortes componentes atuando no desmatamento em níveis muito altos, juntamente com mudanças climáticas globais e ainda uma ação continuada de fogo.

Estudos mostram que a floresta já foi desmatada em 20%, e se aumentar mais cinco pontos percentuais vai perder sua resiliência, alterando o ciclo hidrológico de maneira irreversível – ponto de não retorno, conforme artigo publicado na revista “Science Advances” assinado pelo professor da George Mason University, nos Estados Unidos, Thomas Lovejoy, que participou do workshop via vídeo, e o coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, o brasileiro Carlos Nobre.

“Esse conjunto de pressões, que antigamente não se considerava como interagindo nos modelos, agora mostra que com 25% de desmatamento da região algumas partes da Amazônia vão atingir um ponto no qual a cobertura vegetal será transformada em um tipo de vegetação mais aberta e pobre em espécies, no processo chamado de savanização. E esse processo não vai ser revertido de forma banal”, alerta Piedade, que é coordenadora do projeto Pesquisa Ecológica de Longa Duração – Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (Peld/Maua).

Na parte central da Amazônia, onde se encontra Manaus, há previsões de modelos climáticos que mostram que a temperatura pode aumentar 5°C até 2050.

Valor econômico dos serviços ambientais

O Brasil não recebe compensação financeira pelos serviços ambientais que a Amazônia realiza. Só os serviços ambientais produzidos na América do Sul são estimados em 14 trilhões de dólares. “Não há dúvidas de que, do ponto de vista econômico, o vapor de água que a Amazônia processa e se transforma em chuva irrigando as culturas de soja no Mato Grosso, culturas de alimento no Rio Grande do Sul, Goiás e em São Paulo, todo esse serviço ambiental vale trilhões de dólares”, afirmou o pesquisador Paulo Artaxo.

Nas próximas décadas, as previsões são de alterações profundas no planeta que afetarão a economia do mundo, e o Brasil precisa se adaptar para esse novo cenário, segundo os cientistas, com a implementação de políticas públicas, melhorando a sustentabilidade, e implantando outras matrizes energéticas como solar e eólica, para as quais o Brasil tem grande potencial.

“Hoje a mais importante dessas políticas é reduzir a taxa de desmatamento da Amazônia que está em cerca de 8 mil quilômetros quadrados por ano, quando era há três anos de 4,5 mil quilômetros quadrados por ano. Essa taxa está aumentando e precisamos urgentemente reduzir o desmatamento na Amazônia até chegar ao desmatamento zero, e isso é possível”, destacou Artaxo.

Foto principal: Sidney Oliveira/Agência Pará/Fotos Públicas

Conservação na Amazônia focada somente em carbono pode desproteger a biodiversidade

Proteger os estoques de carbono nas florestas tropicais, em especial na Amazônia, é um dos principais objetivos de políticas públicas e ações de organizações ambientais em todo o mundo na luta frente às mudanças climáticas. Porém, um estudo publicado no último dia 16 de julho na Nature Climate Change, principal revista sobre o tema no mundo, mostra que a conservação focada somente no carbono pode levar à perda de até 75% da biodiversidade presente nas florestas de maior valor ecológico.

O trabalho, liderado por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e do Centro de Meio Ambiente da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, partiu da seguinte questão: as medidas de proteção ao carbono nas florestas tropicais também garantem a sobrevivência das espécies de plantas e animais nesses locais?

A resposta a essa pergunta é complexa, mas os pesquisadores descobriram que os investimentos destinados a evitar perdas maciças de carbono em florestas tropicais são menos eficazes para a biodiversidade nas florestas de maior valor ecológico. Ou seja, nessas florestas (que são as mais preservadas) a riqueza de espécies da biodiversidade não está protegida quando se considera somente os estoques de carbono.

“Proteger os estoques de carbono das florestas tropicais deve permanecer um objetivo central em políticas de conservação e restauração florestal. No entanto, para garantir a manutenção da riqueza de espécies dessas áreas, a biodiversidade precisa ser tratada também como foco central desses esforços”, alerta a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, uma das autoras principais do artigo.

Carbono e biodiversidade

Para chegar às principais conclusões, a equipe passou 18 meses realizando medições do conteúdo de carbono e da variedade de espécies de plantas, pássaros e besouros em 234 áreas nos municípios de Paragominas e Santarém, no Pará, região da Amazônia Oriental. Foram analisados quatro tipos de florestas: primária com pouquíssima ou nenhuma intervenção humana; floresta com extração madeireira; floresta com extração madeireira e queima; e floresta secundária, aquelas que já passaram por intervenções e estão em processo de recuperação.

A equipe descobriu que mais carbono significava mais biodiversidade em florestas severamente danificadas, principalmente naquelas secundárias e as que sofreram a extração da madeira e a queima. Por outro lado, naquelas áreas onde os impactos humanos eram menos intensos, as quantidades crescentes de carbono não eram acompanhadas por mais riqueza de espécies. Na prática, os crescimentos dos estoques de carbono e de biodiversidade caminham juntos nas áreas mais danificadas, mas o mesmo não acontece nas áreas mais preservadas.

Para a pesquisadora Joice Ferreira, a mudança na relação entre carbono e biodiversidade entre as florestas que sofreram diferentes níveis de distúrbios provocados por ação humana explica os resultados encontrados. Conforme as localidades desmatadas e altamente perturbadas se recuperam dos efeitos da exploração e de incêndios florestais graves, a biodiversidade também se recupera. No entanto, essa relação direta entre carbono e biodiversidade perde-se na etapa intermediária da recuperação. O resultado: as florestas com o maior teor de carbono não abrigam necessariamente a maioria das espécies.

“Isso acontece porque nas áreas onde a ação humana é mais intensa, a perturbação é o principal fator que dirige as características das áreas. Então, carbono e biodiversidade se recuperam concomitantemente. No entanto, em uma floresta sem ação humana, por exemplo, os fatores que governam as características das plantas e dos animais são diversos, como o tipo de solo, a luminosidade, as chuvas, a competição entre espécies e outros. Por isso, nesse caso, carbono e biodiversidade não são correspondentes”, explica a especialista.

Foco duplo

As florestas tropicais armazenam mais de um terço de todo o carbono terrestre do mundo. Fenômenos causados por ação humana, como o desmatamento e as perturbações florestais (extração seletiva de madeira, caça, incêndios e fragmentação florestal) podem provocar a liberação do carbono e exacerbar os efeitos do aquecimento global. Por essa razão, a proteção do carbono das florestas tropicais é uma das principais metas das iniciativas internacionais de combate às alterações climáticas, atraindo dezenas de bilhões de dólares em financiamento todos os anos.

“As medidas de proteção aos estoques de carbono não apenas podem desacelerar os efeitos das alterações climáticas, como também têm o potencial de proteger a vida selvagem única e insubstituível das florestas tropicais. Mas para isso é fundamental colocar a biodiversidade no mesmo patamar de importância do carbono”, afirma Gareth Lennox, um dos autores principais do estudo e pesquisador da Universidade de Lancaster.

Toby Gardner, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia, e também coautor do artigo, explica a importância de se ter uma abordagem de conservação mais abrangente. “Ao considerar carbono e biodiversidade juntos, descobrimos, por exemplo, que o número de espécies de árvores grandes que podem ser protegidas aumenta em até 15% em relação à abordagem com foco somente no carbono.”

A pesquisa oferece diretrizes para o alinhamento dos esforços de conservação de carbono e biodiversidade, especialmente em ações de restauração florestal. “Os resultados podem orientar o governo na escolha de áreas prioritárias para programas de recuperação de florestas, para a compensação de passivos ambientais”, destaca Joice Ferreira, da Embrapa.

“Embora algumas perdas sejam inevitáveis, os conflitos de estratégia entre o carbono e a biodiversidade podem ser reduzidos por um planejamento mais integrado em nível territorial”, pondera o cientista da Universidade de Lancaster, Jos Barlow, um dos coautores da pesquisa.

Foto: Embrapa/Secom