Psoríase tem grande impacto emocional negativo para 71% dos pacientes brasileiros, revela pesquisa

Uma pesquisa internacional feita em 26 países, com 2.361 pessoas, entre homens e mulheres de 18 a 75 anos, incluindo o Brasil, avaliou a satisfação e as expectativas dos pacientes no tratamento da Psoríase moderada e grave e o impacto emocional da doença em seu cotidiano. Dentre as principais constatações do estudo, realizado pela Hall and Partners, denominado Closer Together, destaque para o ranking das nações cujo pacientes relatam maior impacto da doença, no qual o Brasil ocupa a segunda posição, atrás apenas de Arábia Saudita.

Analisando os dados do Brasil, 71% dos pacientes brasileiros afirmam ter um grande impacto negativo em sua qualidade de vida por conta da doença. Em relação às expectativas com o tratamento, a remissão completa das lesões de pele é a principal expectativa para 73% dos pacientes brasileiros. O trabalho global, que coletou dados em vários continentes, incluindo Europa e Américas do Norte e do Sul, revelou ainda que mais da metade (58%) dos brasileiros respondentes afirmam que a doença interfere negativamente em suas atividades profissionais. A pesquisa Closer Together ainda trouxe mais dados sobre os pacientes brasileiros que sofrem de psoríase. Em relação a tratamento, 72% afirmaram que tiveram a expectativa apenas parcialmente atingida. Outros 62% relataram ter um alto impacto da psoríase na vida social, enquanto 67% desejam voltar a ter uma vida normal.

A novidade no tratamento

Indicado para o tratamento da psoríase moderada a grave, o mercado brasileiro acaba de contar com a chegada do Taltz (Ixequizumabe), Um dos principais diferenciais da nova terapia está relacionado ao tempo de resposta e agilidade no início de ação. Nos estudos clínicos, 90% dos pacientes apresentaram melhora logo após 12 semanas, com resultados visíveis em apenas sete dias. Os estudos de longo prazo mostram ainda que, após 108 semanas de tratamento² (2 anos), mais da metade (56%) dos indivíduos submetidos à nova terapia atingiu remissão total da psoríase, sendo que 80% tiveram uma melhora de 90% das lesões e 93% tiveram uma melhora de, pelo menos, 75% das lesões em 108 semanas.

Sobre a psoríase

A psoríase é uma doença crônica e imunologicamente mediada. Embora os sintomas apareçam na pele, é uma doença sistêmica e sua gravidade pode variar desde uma pequena mancha na unha, grandes placas em extensas regiões do corpo até o aparecimento de outras doenças associadas. “O desconhecimento sobre a doença pode ter enorme repercussão tanto em relação ao bem-estar físico quanto ao bem-estar emocional. Muitas vezes ocorre isolamento social decorrente do constrangimento relacionado às lesões”, afirma Ricardo Romiti, dermatologista e coordenador do Ambulatório de Psoríase do Hospital das Clínicas.

O médico destaca que muitas pessoas não sabem, por exemplo, o fato de a psoríase não ser contagiosa. Muitos acreditam que abraçar ou mesmo conviver com a pessoa que tem psoríase possa transmitir a doença – o que não é verdade.

Para entender melhor o assunto, confira uma série de perguntas respondidas pelo dermatologista e que testará seus conhecimentos sobre psoríase.

Quais as regiões do corpo que são afetadas pela doença?

Existem vários tipos de psoríase, que se apresentam de formas diferentes. A psoríase em placa é a forma mais comum da doença e é caracterizada por placas cobertas por escamas brancas na pele. Pode ocorrer em qualquer região do corpo, porém é mais frequente no couro cabeludo, tronco, cotovelos e joelhos.

Tem cura?

Psoríase não tem cura, mas uma série de tratamentos pode controlar o quadro e reduzir drasticamente a inflamação e a formação das placas, regulando a aparência da pele. Um paciente com psoríase leve tem maior probabilidade de ser tratado com terapia local, com uso de cremes e pomadas. Para os casos moderados e graves, há outros tipos de tratamentos, desde imunossupressores (que atuam no sistema imunológico diminuindo a inflamação de uma forma global) a medicamentos mais modernos como os biológicos, com a possibilidade de melhorar rapidamente os sinais e sintomas da doença em até 90%.

Um machucado pode se tornar psoríase?

Sim. Alguns fatores podem desencadear o aparecimento de psoríase nas pessoas predispostas à doença, dentre eles, traumatismos como feridas, machucados, queimaduras de sol ou outras de natureza física, química, elétrica, cirúrgica ou inflamatória. Outros fatores como certas medicações, infecções e mesmo o estresse podem agravar o quadro.

O paciente com psoríase pode se expor ao sol?

Sim. É uma recomendação aos pacientes com psoríase que se exponham de forma orientada ao sol, pois ele é um aliado do tratamento. A exposição durante períodos adequados pode ser útil na melhora do quadro. O tempo de exposição e a frequência dos banhos de sol deverá ser orientado pelo seu médico dermatologista.

A pessoa pode ir à praia ou piscinas coletivas?

Com toda certeza! A doença não é contagiosa. E, ao contrário do que pode parecer, a exposição ao sol e o banho de mar podem ajudar a manter a pele saudável e a psoríase sob controle. O fato de os pacientes não frequentarem esses ambientes muitas vezes resulta do constrangimento provocado pela aparência das lesões, gerando isolamento social e diminuição da qualidade de vida.

As variações climáticas são fator para o desencadeamento da doença?

O clima frio, associado a outros fatores comuns ao inverno, como ar seco e exposição reduzida à luz solar, também pode ser um fator complicador para a psoríase.

A psoríase tem relação com o psicológico do paciente?

Em alguns pacientes que possuem predisposição à doença, o estresse pode agravar o quadro de psoríase, porém, esta não é a principal causa da doença. Ao mesmo tempo, as crises de psoríase podem estressar o paciente, intensificando ainda mais o quadro.

Psoríase é apenas um problema da pele?

Não, a psoríase é uma doença imunológica que se manifesta principalmente na pele. Pacientes com psoríase podem também desenvolver a chamada artrite psoriásica, doença que acomete as pequenas e grandes articulações. Além disso, formas mais graves da doenças estão muitas vezes associadas à obesidade, hipertensão, diabetes e aumento do colesterol.

Foto: reprodução da internet

Pesquisa sobre frutos amazônicos rende ao Inpa segundo lugar em premiação sobre sustentabilidade

Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) sobre o potencial biotecnológico, nutricional e efeito dos frutos camu-camu, cubiu, açaí e pupunha para auxiliar na prevenção e controle de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes, colesterol e obesidade são reconhecidos pelo Prêmio Samuel Benchimol. Os pesquisadores Francisca Souza e Jaime Aguiar conquistaram a segunda colocação na categoria Projetos de Desenvolvimento Sustentável na Região Amazônica com a proposta “Frutos amazônicos como estratégia de inovação, sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida”. A cerimônia de entrega ocorre no dia 23 de novembro, em Belém (PA).

Na última década, o Grupo de Alimentos e Nutrição do Inpa se dedicou a estudar as propriedades e funcionalidades de frutos nativos, espécies que tem participação na economia do setor agrícola da região. A proposta agora é agregar valor a alimentos existentes e na elaboração de novos produtos regionais, nutritivos e funcionais. Essa é a primeira vez que o Grupo de Pesquisa Alimentos e Nutrição do Inpa, liderado por Francisca Souza, é contemplado com o Prêmio Professor Samuel Benchimol. “Esse prêmio é um reconhecimento do trabalho que vem sendo realizado há mais de dez anos estudando os frutos amazônicos e divulgando benefícios deles para a saúde das pessoas”, disse Souza.

As pesquisas do grupo buscam estudar o potencial biotecnológico e o papel de frutos amazônicos com relevante valor econômico e nutricional e na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças metabólicas (dislipidemias – como colesterol- e diabetes) e obesidade. São pesquisados o potencial econômico, tecnológico, nutricional e funcional da pupunha (Bactris gasipaes Kunth), açaí (Euterpe oleracea Mart.), camu-camu (Myrciaria dubia (Kunth) Mac Vaugh) e o cubiu (Solanum sessiliflorum Dunal).

“Todos esses frutos são nativos e normalmente são subaproveitados, necessitando de novas tecnologias em relação ao processamento que possibilitem aumento da vida de prateleira e melhor utilização”, explicou Souza, que junto com Aguiar foram os únicos pesquisadores do Amazonas contemplados nessa edição do prêmio.

Os pesquisadores esperam ainda que a tecnologia seja transferida ao setor produtivo e as empresas se encarreguem de produzir em escala comercial com preços ao alcance da população. Outra aspiração é formar profissionais para atuar na área da nutrição humana, no aproveitamento tecnológico dos frutos regionais e contribuir para minimizar os problemas de saúde pública, como desnutrição e doenças crônicas não transmissíveis. “Espera-se estar contribuindo na terapia nutricional de diabéticos”, destacou Souza.

Na área ambiental, a tecnologia utilizará resíduos (cascas e sementes) que são considerados contaminantes ambientais quando descartados em excesso, de modo que não haverá risco de danos ao meio ambiente.

Testes

Para saber as propriedades funcionais dos frutos transformados em alimentos, as pesquisas do grupo testaram, a partir do açaí, a farinha, bebidas (suco e néctar), extratos e cereais; da pupunha, foram farinha e cereal; do cubiu, farinha e bebidas; e do camu-camu investigaram farinha, bebidas e produtos liofilizados (desidratados), barra de cereal, biscoito e pães. Os testes sensorial e laboratorial foram feitos em roedores e humanos. “Os resultados apontaram para redução de níveis de glicose e colesterol usando produtos à base de cubiu, camu-camu e o açaí”, contou Souza.

Os estudos do grupo são resultados de um projeto maior denominado “Frutos amazônicos para produção de alimentos funcionais”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

Prêmio Samuel Benchimol e Banco da Amazônia

Os Prêmios Professor Samuel Benchimol e Banco da Amazônia de Empreendedorismo são voltados ao empreendedorismo consciente. O prêmio Banco da Amazônia abrange duas categorias: Economia Criativa e Economia Verde, além do reconhecimento da Empresa Amazônia e de um microempreendedor de sucesso, com o prêmio Florescer.

Constituídos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e Banco da Amazônia e unificados em 2009, os prêmios foram criados para promover a reflexão e propor ações sobre as perspectivas econômicas, científicas, tecnológicas, ambientais, sociais e de empreendedorismo para o desenvolvimento sustentável da região amazônica.

Foto: Ascom/Emater (via Fotos Públicas)

Aplicativo Giulia permitirá visita autoguiada de deficientes auditivos no Bosque da Ciência

Participar de palestras, visitar espaços culturais ou ir a uma consulta médica são atividades simples para a maioria das pessoas, mas para quem não consegue ouvir é um grande problema. Para superar essa barreira de acessibilidade, o Bosque da Ciência vai contar com um aplicativo de comunicação para surdos, permitindo à pessoa com a deficiência conhecer os atrativos do espaço de visitação pública do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), sem a necessidade de um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais).

A nova funcionalidade da plataforma Giulia Mãos que Falam voltada para o turismo inclusivo foi apresentada no último dia 16 de outubro na conferência de abertura da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT/Inpa), cujo tema foi “Ciência para a redução das desigualdades na Amazônia”. Após testes da função com alunos da Escola Estadual Augusto Carneiro dos Santos, o aplicativo de inclusão de pessoas com deficiência auditiva está na fase de ajustes e será lançado em março de 2019.

Referência mundial nos estudos de biologia tropical, o Inpa atua em várias áreas para combater problemas sociais. Entre elas estão o desenvolvimento do purificador solar de água (Água box), moradias sustentáveis e tecnologias de alimento voltadas para agrobiodiversidade da Amazônia. “Uma dessas frentes é inserir o deficiente auditivo no nosso circuito de visitação no bosque, fazendo com que a visitação seja relevante, compreensível e integrada à vida deles”, disse a coordenadora de SNCT e de Tecnologia Social do Inpa Denise Gutierrez.

Outra frente de atuação é a inclusão dos idosos, que representam uma parcela representativa da sociedade. “A população está envelhecendo e precisamos pensar neles, oportunizando atividades em que podem aproveitar ao máximo o conhecimento que temos para compartilhar”, destacou Gutierrez.

Aplicativo

O aplicativo Giulia foi idealizado pela Map Innovation do professor Manuel Cardoso, que trabalha com tecnologias assistivas há 30 anos, e adaptado com a função para ponto turístico a partir de um projeto da professora do curso de Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Selma Batista. “O aplicativo permitirá ao surdo a visitação autoguiada passando pelos atrativos do bosque. Isso dará empoderamento ao visitante, sem que ele precise do condutor, porque nem sempre se tem disponível o condutor com habilidade em libras”, disse Batista, destacando que a ferramenta não vem para substituir o intérprete.

A proposta é que no bosque estejam disponíveis para os visitantes alguns aparelhos de celular smartphones com o Giulia (instalado off line) para atender o visitante que tem celular ou que não tenha sinal de internet para baixar o aplicativo no próprio celular. “Os surdos têm uma limitação de comunicação, mas são tão normais quanto qualquer outra pessoa”, ressaltou Cardoso.

Conforme o Censo de 2010 realizado pelo IBGE, 9,7 milhões de pessoas tem deficiência auditiva. Hoje, estima-se que sejam 12,5 milhões, dos quais 5,5 milhões apresentam deficiência auditiva severa, situação em que há uma perda entre 70 e 90 decibéis (dB). “O Giulia vem romper paradigmas e trazer o pcd a para a inclusão social, econômica e cultural, permitindo acesso a lugares como o bosque. E espero que sirva de exemplo para a nova geração de que a superação se faz pela vontade de transcender limites”, disse Cardoso, que é professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e inventor do mouse ocular.

Foto: Paulo Sérgio/MAP

Frequência das enchentes do rio Amazonas aumenta cinco vezes em 100 anos, revela pesquisa

Um estudo recente, com mais de cem anos de registros dos níveis do rio Amazonas, indica um aumento significativo na frequência e magnitude das enchentes nos últimos 30 anos em comparação com os primeiros 70 anos da série temporal. A análise realizada por cientistas sobre as potenciais causas do aumento pode contribuir para previsões mais precisas de inundações na bacia Amazônica, a maior hidrobacia do mundo com quase 20% da água doce.

O estudo “Intensificação recente dos extremos de inundação da Amazônia impulsionada pela circulação reforçada de Walker” foi publicado nesta quarta-feira (19) na revista Science Advances pelos pesquisadores Jonathan Barichivich (Universidade Austral de Chile), Manuel Gloor (Escola de Geografia da Universidade de Leeds – Reino Unido), Philippe Peylin (Escola de Geografia da Universidade de Leeds – Reino Unido – França), Roel J. W. Brienen (Escola de Geografia da Universidade de Leeds – Reino Unido), Jochen Schöngart (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Jhan Carlo Espinoza (Instituto Geofísico del Perú), Kanhu C. Pattnayak (Escola de Geografia da Universidade de Leeds – Reino Unido).

Registros diários dos níveis de água do rio Amazonas são realizados no Porto de Manaus desde o início do século passado. O grupo de estudo analisou 113 anos de registros dos níveis de água, que revelaram um aumento na frequência de cheias e secas severas nas últimas duas a três décadas. Os resultados demonstraram que houve, na primeira parte do século 20, cheias severas com níveis de água que ultrapassaram 29 metros (valor de referência para acionar o estado de emergência na cidade de Manaus) aproximadamente a cada 20 anos. Atualmente, cheias extremas ocorrem na média a cada quatro anos.

As mudanças no ciclo hidrológico da bacia Amazônica tem sido graves, com consequências para o bem-estar das populações no Brasil, Peru e outros países amazônicos. Para o pesquisador e integrante do Grupo de Pesquisa do Inpa Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (MAUA), Dr. Jochen Schöngart, a ciência deve fazer uso desse conhecimento atualizado para aperfeiçoar modelos existentes de previsão de cheias na Amazônia Central e servir de subsídio para os tomadores de decisão elaborar políticas públicas, já que terão previsões mais robustas e com certa antecedência.

“Isso permite preparar as populações em áreas urbanas e nas regiões rurais para enfrentar consequências de cheias severas que sempre impactam a qualidade de vida dessas populações”, destaca Schöngart. “As pessoas perdem moradia, sofrem várias doenças, serviços básicos como água potável ficam restritos e a pecuária e agricultura são bastante reduzidas nas várzeas resultando em enormes prejuízos econômicos e sociais para essa parte da sociedade”, completou.

De acordo com o Dr. Jonathan Barichivich, da Universidade Austral do Chile e ex-bolsista de pesquisa da Universidade de Leeds (Reino Unido), o aumento de secas severas na Amazônia tem recebido bastante atenção dos pesquisadores. “Entretanto, o que realmente se destaca no registro ao longo prazo é o aumento da frequência e magnitude das inundações. Cheias extremas na bacia Amazônica têm ocorrido todos os anos, desde 2009 até 2015, com raras exceções”, disse.

Conforme o estudo, o aumento do número de enchentes está relacionado à intensificação da circulação de Walker, um sistema de circulação do ar movido pelo oceano originado pelas diferenças de temperatura e pressão atmosférica sobre os oceanos tropicais. Esse sistema influencia padrões climáticos e pluviométricos em toda a região dos trópicos e além.

Jochen Schöngart, pesquisador do Inpa: conhecimento atualizado deve aperfeiçoar modelos existentes de previsão de cheias e servir de subsídio para políticas públicas (Foto: Luciete Pedrosa/Ascom Inpa)

Mudanças nos oceanos

De acordo com o professor coautor Manuel Gloor, da Escola de Geografia da Universidade de Leeds, esse aumento dramático nas enchentes é causado por mudanças nos oceanos vizinhos, particularmente os oceanos Pacífico e Atlântico e como eles interagem. Ainda segundo Gloor, devido ao forte aquecimento do oceano Atlântico e ao resfriamento do Pacífico no mesmo período, observou-se mudanças na chamada circulação de Walker afetando a precipitação na Amazônia.

“O efeito é mais ou menos o oposto do que acontece durante um El Niño. Ao invés de causar seca, leva a uma maior convecção e precipitação intensa nas regiões central e norte da bacia Amazônica”, explicou Manuel Gloor.

A causa real do aquecimento do Atlântico não está completamente esclarecida. Além da variação natural, o aquecimento global é, no mínimo, parcialmente responsável, mas de maneira inesperada e indireta, de acordo com o estudo. Como resultado do aquecimento dos gases do efeito estufa, cinturões de vento de média a alta latitude no hemisfério Sul se deslocaram mais ao sul, abrindo uma janela de transporte das águas quentes do oceano Índico ao redor do extremo sul da África, através da corrente das Agulhas, em direção ao Atlântico Tropical.

A pesquisa indica que essas enchentes não cessaram ainda. O ano de 2017, que não foi incluído no estudo, registrou novamente o nível de água acima dos 29 metros. Como é esperado que o Atlântico Tropical continue aquecendo mais rápido que o Pacífico Tropical nas próximas décadas, cientistas esperam mais eventos com alto nível de água. Os resultados desse estudo podem auxiliar a prever a probabilidade de enchentes extremas na Amazônia com antecedência e mitigar os impactos para as populações amazônicas rurais e urbanas.

O estudo é resultado de uma oficina internacional que Schöngart organizou com cientistas da Universidade de Leeds, no Inpa, em janeiro de 2016, para fazer uma abordagem do conhecimento atual sobre as mudanças recentes do clima e da hidrologia na bacia Amazônica.

Foto principal: Jochen Schöngart/Inpa

Universidade descobre substâncias promissoras para o tratamento da doença de Chagas

Pesquisadores do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) dão mais um passo nas pesquisas sobre o tratamento da doença de Chagas, uma doença considerada como negligenciada, propagada pelo inseto conhecido como barbeiro. A novidade fica por conta dos testes com a quinidina, fármaco já utilizado para tratar a malária. O chefe do Laboratório de Interação Celular e Molecular (Licem), professor Saulo Cabral Bourguignon, deu início em 2002 à sua linha de pesquisa na busca por compostos tripanocidas, ou seja, capazes de eliminar o Trypanosoma cruzi. “A doença de Chagas afeta as camadas mais pobres da população e recebe investimento irrisório da indústria farmacêutica, principalmente quando comparado com o investimento em HIV, malária e tuberculose. Dessa forma, essa tarefa sobra para as setores públicos, que infelizmente não possuem recursos suficientes para investir”, ressalta.

A pesquisa atual, que conta com a participação do recém-doutor pela UFF, Guilherme Curty Lechuga, é desenvolvida em parceria com o Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e possibilitou recentemente a publicação conjunta de um artigo na revista americana PLoS Neglected Tropical Diseases (Doenças Tropicais Negligenciadas), que possui um alto fator de impacto no meio científico.

No artigo, os pesquisadores mostram que o fármaco antimalárico conhecido como quinidina inibe a cristalização do heme em hemozoína e pode impedir a transmissão do parasito pelo vetor. “Após a picada do barbeiro no ser humano, o parasito que se encontra nas fezes do inseto necessita digerir a hemoglobina do sangue ingerido e, como subproduto dessa digestão, produz uma molécula tóxica (heme), que é cristalizada para não causar danos ao parasito. O principal mecanismo de ação da quinidina é a ligação ao heme, que impede a formação do cristal, levando-o à morte. Após o tratamento com a quinidina, observamos uma redução significativa na contagem total do T. cruzi no barbeiro. Os resultados são bastante promissores”, afirma Guilherme. “A pesquisa na universidade tem como objetivo também atender às demandas das camadas mais pobres, que não são contempladas por indústrias que visam apenas ao lucro. Nosso compromisso com o desenvolvimento científico é, sobretudo, social. Estamos trilhando esse caminho aqui na UFF”, acrescenta.

Guilherme Curty Lechuga e Saulo Cabral Bourguignon, pesquisadores da UFF: pesquisa é importante no tratamento da doença de Chagas, que carece de investimentos da indústria farmacêutica

A publicação amplia também o debate sobre doenças que afetam parte da população que se encontra em situação de vulnerabilidade. Nesse contexto, o professor Saulo ressalta a importância de se pesquisar substâncias que possam tratar mais de uma doença considerada negligenciada. “Tratar com uma mesma substância duas doenças como a malária e a doença de Chagas é o que preconiza a Organização Mundial de Saúde, por reduzir os gastos com pesquisa e o tempo para aprovação do fármaco”, destaca o professor.

Os resultados dessa e de outras pesquisas auxiliam não só na criação de medidas preventivas mais eficazes, mas também no desenvolvimento de novos medicamentos ou de substâncias já usadas para tratar outra enfermidade, estratégia conhecida como reposicionamento de fármaco. De acordo com Saulo, medicamentos com efeitos colaterais pesados, como náuseas, dores de cabeça e vômitos, fazem com que os pacientes interrompam o tratamento. “É o que acontece atualmente com o benzonidazol, o único medicamento que temos no Brasil para tratamento da doença de Chagas. Daí a importância de se usar substâncias como a quinidina, cujos efeitos colaterais, já conhecidos, são menos danosos ao organismo”.

Brasil

A maioria dos casos de malária e de doença de Chagas no território brasileiro, segundo o Ministério da Saúde (MS), se concentra na região amazônica. Os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, de Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins lideram em número de notificações.

Ao contrário do que muitos pensam, a picada do barbeiro não transmite a enfermidade, que se dá em função das fezes contaminadas do inseto, que ao chupar uma grande quantidade de sangue, defeca próximo ao local onde se alimenta. Após coçar a pele, a pessoa faz com que o parasita penetre a mucosa e se espalhe pela corrente sanguínea, tornando-se também um hospedeiro da doença. “A doença de Chagas é transmitida pelas fezes do barbeiro e a transmissão vetorial geralmente ocorre em locais com casas de pau a pique. No entanto, existem outros mecanismos, como o oral, que tem ganhado importância por conta do aumento de casos de transmissão por cana de açúcar e açaí. O barbeiro defeca no fruto, ele é triturado e quem o ingere se contamina. Outra forma de transmissão que tem ganhado destaque, sobretudo na Europa, se dá através de transfusão de sangue ou transplantes realizados sem o teste prévio”, esclarece o biomédico.

De acordo com Saulo, professor de Biologia Celular e Molecular, Carlos Chagas (1879-1934) não só identificou a doença em 1909, que recebeu o seu nome, como também identificou seu agente etiológico – Trypanossoma cruzi – e o vetor de transmissão da doença (barbeiro). O feito é um marco para a ciência brasileira e está nas bases da medicina tropical. Passado mais de um século, a doença de Chagas ainda não possui um medicamento eficaz, devido à baixa quantidade de recursos financeiros investidos nessa enfermidade.

A universidade pública, segundos os pesquisadores, tem um papel fundamental no desenvolvimento de estudos que tenham essas doenças negligenciadas como objeto, pois elas acabam por não despertar o interesse da indústria farmacêutica. “A pesquisa na universidade tem como objetivo também atender às demandas das camadas mais pobres, que não são contempladas por indústrias que visam apenas ao lucro. Nosso compromisso com o desenvolvimento científico é, sobretudo, social. Estamos trilhando esse caminho aqui na UFF”, conclui Guilherme.

Fotos: Assessoria de imprensa da UFF

Alterações extremas no regime de seca e cheia podem levar à extinção árvores de igapós, diz pesquisador

Mudança de clima, aumento de temperatura, desmatamentos, queimadas e hidrelétricas são ameaças que podem levar à extinção regional de árvores que só ocorrem nos igapós, áreas alagáveis dos rios de águas pretas da Amazônia. Eventos extremos alteram o regime de cheia e seca (pulso de inundação) desses ambientes vulneráveis, que abrigam cerca de 600 espécies arbóreas que durante milhões de anos se adaptaram para tolerar a inundações sazonais de até dez meses por ano.

O alerta é do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Jochen Schöngart, que fez a palestra de abertura do 7º Congresso de Iniciação Científica (Conic) sobre distúrbios naturais e antropogênicos em florestas alagáveis de igapó, em 30 de julho.

Os igapós tem lenta dinâmica por falta de nutrientes nos solos. Para suportar a inundação, as árvores fazem adaptações morfoanatômicas, bioquímicas e fisiológicas, por exemplo, desempenhando um metabolismo anaeróbico durante a fase aquática com reservas de carboidratos que a planta produziu e armazenou durante a fase terrestre (não inundada) para poder tolerar o longo período que ficará inundada.

“Quando essas árvores não saem mais da água, desse ambiente, isso causa mortalidade em grande escala. E nessas topografias você tem espécies endêmicas que são tão bem adaptadas que só ocorrem naquele ambiente e com isso são muito vulneráveis também, como é a Eschweilera tenuifolia, conhecida como macacarecuia ou cuieira”, disse Schöngart, vice-coordenador do Grupo Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (Maua).

Conforme o pesquisador, a implementação de usinas hidrelétricas muda o regime hidrológico por armazenar mais água nos reservatórios durante a época chuvosa para liberar essa água na seca para ter uma “produção mais ou menos estável”. O resultado é que os níveis máximos anuais ficam menores e os níveis mínimos anuais ficam mais altos, porque a usina libera mais água durante a seca.

“Isso causa problema para essas espécies arbóreas do igapó, porque elas ficam de repente durante vários anos consecutivos inundados e ultrapassa a capacidade de adaptações dessas espécies resultando em mortalidade de grande escala”, contou o pesquisador, lembrando que Balbina já causou impactos de grande escala pela criação do reservatório que inundou uma área de 4,4 mil quilômetros quadrados.

Pesquisas do Grupo Peld/Mauá mostram que mais de 20 anos depois da usina de Balbina as árvores em florestas de igapó à jusante da barragem continuam morrendo nas topografias mais baixas, aproximadamente 12% dos igapós em até 120 quilômetros depois da barragem são dominadas por árvores mortas, conhecidas como paliteiros. O estudo investigou a conexão entre a represa e as árvores mortas de Macrolobium acaciifolium, conhecida como arapari.

Para futuras instalações de usinas hidrelétricas, o pesquisador sugere que se leve em consideração o reservatório, a região ao redor da usina e as áreas alagáveis à jusante da barragem. Para Schöngart, uma forma de mitigar os impactos é obrigar os operadores das usinas a simular os pulsos de inundação garantindo que as árvores saiam todos os anos durante alguns meses fora da água para renovar suas reservas e evitar a mortalidade em grande escala. “Mas tem de ser implementado na legislação para garantir isso”, disse.

Adaptações

As adaptações ocorrem em diferentes níveis. As morfoanatômicas são formações de raízes adventícias que permitem que a espécie consiga obter água e nutrientes quando o sistema radicular principal já está em condições de solo encharcado ou inundado.

A formação de aerênquima são cavidades de ar dentro do caule e da raiz, e a planta consegue difundir esse oxigênio capturado pelas lenticelas para as raízes e com isso consegue aumentar a concentração dentro da raiz em condições anóxicas (falta de oxigênio) de solo durante a inundação. “Então, ela manda oxigênio capturado da atmosfera pelo tronco para baixo e consegue se manter nessas condições desfavoráveis”, disse o pesquisador.

Foto: Anélia Resende (Maua/Inpa)

Conservação na Amazônia focada somente em carbono pode desproteger a biodiversidade

Proteger os estoques de carbono nas florestas tropicais, em especial na Amazônia, é um dos principais objetivos de políticas públicas e ações de organizações ambientais em todo o mundo na luta frente às mudanças climáticas. Porém, um estudo publicado no último dia 16 de julho na Nature Climate Change, principal revista sobre o tema no mundo, mostra que a conservação focada somente no carbono pode levar à perda de até 75% da biodiversidade presente nas florestas de maior valor ecológico.

O trabalho, liderado por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e do Centro de Meio Ambiente da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, partiu da seguinte questão: as medidas de proteção ao carbono nas florestas tropicais também garantem a sobrevivência das espécies de plantas e animais nesses locais?

A resposta a essa pergunta é complexa, mas os pesquisadores descobriram que os investimentos destinados a evitar perdas maciças de carbono em florestas tropicais são menos eficazes para a biodiversidade nas florestas de maior valor ecológico. Ou seja, nessas florestas (que são as mais preservadas) a riqueza de espécies da biodiversidade não está protegida quando se considera somente os estoques de carbono.

“Proteger os estoques de carbono das florestas tropicais deve permanecer um objetivo central em políticas de conservação e restauração florestal. No entanto, para garantir a manutenção da riqueza de espécies dessas áreas, a biodiversidade precisa ser tratada também como foco central desses esforços”, alerta a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, uma das autoras principais do artigo.

Carbono e biodiversidade

Para chegar às principais conclusões, a equipe passou 18 meses realizando medições do conteúdo de carbono e da variedade de espécies de plantas, pássaros e besouros em 234 áreas nos municípios de Paragominas e Santarém, no Pará, região da Amazônia Oriental. Foram analisados quatro tipos de florestas: primária com pouquíssima ou nenhuma intervenção humana; floresta com extração madeireira; floresta com extração madeireira e queima; e floresta secundária, aquelas que já passaram por intervenções e estão em processo de recuperação.

A equipe descobriu que mais carbono significava mais biodiversidade em florestas severamente danificadas, principalmente naquelas secundárias e as que sofreram a extração da madeira e a queima. Por outro lado, naquelas áreas onde os impactos humanos eram menos intensos, as quantidades crescentes de carbono não eram acompanhadas por mais riqueza de espécies. Na prática, os crescimentos dos estoques de carbono e de biodiversidade caminham juntos nas áreas mais danificadas, mas o mesmo não acontece nas áreas mais preservadas.

Para a pesquisadora Joice Ferreira, a mudança na relação entre carbono e biodiversidade entre as florestas que sofreram diferentes níveis de distúrbios provocados por ação humana explica os resultados encontrados. Conforme as localidades desmatadas e altamente perturbadas se recuperam dos efeitos da exploração e de incêndios florestais graves, a biodiversidade também se recupera. No entanto, essa relação direta entre carbono e biodiversidade perde-se na etapa intermediária da recuperação. O resultado: as florestas com o maior teor de carbono não abrigam necessariamente a maioria das espécies.

“Isso acontece porque nas áreas onde a ação humana é mais intensa, a perturbação é o principal fator que dirige as características das áreas. Então, carbono e biodiversidade se recuperam concomitantemente. No entanto, em uma floresta sem ação humana, por exemplo, os fatores que governam as características das plantas e dos animais são diversos, como o tipo de solo, a luminosidade, as chuvas, a competição entre espécies e outros. Por isso, nesse caso, carbono e biodiversidade não são correspondentes”, explica a especialista.

Foco duplo

As florestas tropicais armazenam mais de um terço de todo o carbono terrestre do mundo. Fenômenos causados por ação humana, como o desmatamento e as perturbações florestais (extração seletiva de madeira, caça, incêndios e fragmentação florestal) podem provocar a liberação do carbono e exacerbar os efeitos do aquecimento global. Por essa razão, a proteção do carbono das florestas tropicais é uma das principais metas das iniciativas internacionais de combate às alterações climáticas, atraindo dezenas de bilhões de dólares em financiamento todos os anos.

“As medidas de proteção aos estoques de carbono não apenas podem desacelerar os efeitos das alterações climáticas, como também têm o potencial de proteger a vida selvagem única e insubstituível das florestas tropicais. Mas para isso é fundamental colocar a biodiversidade no mesmo patamar de importância do carbono”, afirma Gareth Lennox, um dos autores principais do estudo e pesquisador da Universidade de Lancaster.

Toby Gardner, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia, e também coautor do artigo, explica a importância de se ter uma abordagem de conservação mais abrangente. “Ao considerar carbono e biodiversidade juntos, descobrimos, por exemplo, que o número de espécies de árvores grandes que podem ser protegidas aumenta em até 15% em relação à abordagem com foco somente no carbono.”

A pesquisa oferece diretrizes para o alinhamento dos esforços de conservação de carbono e biodiversidade, especialmente em ações de restauração florestal. “Os resultados podem orientar o governo na escolha de áreas prioritárias para programas de recuperação de florestas, para a compensação de passivos ambientais”, destaca Joice Ferreira, da Embrapa.

“Embora algumas perdas sejam inevitáveis, os conflitos de estratégia entre o carbono e a biodiversidade podem ser reduzidos por um planejamento mais integrado em nível territorial”, pondera o cientista da Universidade de Lancaster, Jos Barlow, um dos coautores da pesquisa.

Foto: Embrapa/Secom

Pesquisa mostra principais dores dos indígenas na região do Vale do Javari e como elas são tratadas

Da redação*

Na Terra Indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas, na tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia, um estudo realizado em junho do ano passado revelou um panorama sobre as dores sentidas por três dos povos que ali vivem. A mestranda Elaine Barbosa de Moraes, com orientação da professora e pesquisadora Eliseth Leão, da Sociedade Israelita Brasileira Albert Einstein, percorreu durante um mês a região, visitando as tribos Mati, Kanamary e Marubo, onde entrevistaram ao todo 45 indígenas das três etnias. O objetivo foi conhecer as suas principais queixas relativas à dor e as terapias que utilizavam no tratamento.

O trabalho teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e nele foi levado em consideração o cotidiano dos indígenas para compreender melhor a sua relação com a dor. Os questionamentos feitos tratava da natureza da dor, sua intensidade e o local do corpo afetado. De acordo com a orientadora Eliseth Leão, o estudo está inserido na linha de pesquisa sobre manejo e controle da dor/promoção de bem-estar, sob sua responsabilidade no Programa de Mestrado Profissional em Enfermagem, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, onde atua como pesquisadora. “Nos últimos anos tenho desenvolvido com meus alunos projetos voltados à compreensão da experiência dolorosa em populações negligenciadas, como moradores de rua, pacientes psiquiátricos e populações indígenas”, explica.

“Para estudar a dor é preciso ter em vista fatores culturais, sociais e econômicos”, explica. Nas três tribos a dor está relacionada com o trabalho rural, uma vez que todos os indígenas realizam diariamente tarefas rurais pesadas, que incluem carregar cargas por longas distâncias. Outro resultado indica que a medicina tradicional indígena é o meio mais eficaz de combate ao problema.

Mulher indígena da etnia Kanamary relatando a dor

A aluna, Elaine Moraes, é docente de enfermagem em Manaus, e foi o seu interesse e o contato com alunos de diversas etnias que surgiu a ideia de investigar a dor dos indígenas sob orientação de Eliseth. “Trata-se de estudo de campo pioneiro sobre o perfil de dor e medicina tradicional indígena para seu manejo controle em nosso país”, justifica Eliseth.

A escolha pela região do Vale do Javari, a 1.138 quilômetros de Manaus, e a delimitação aos três grupos étnicos seguiu sugestão da própria Elaine. “Inicialmente iríamos trabalhar com etnias de outra região, a que concentra o maior número de indígenas na Amazônia, todavia, quando a Elaine viajou para realizar os primeiros contatos com as lideranças indígenas, percebeu que a tradição ancestral parecia estar bastante comprometida na região”, informa a orientadora. Daí a opção pelo Vale, local de concentração do maior número de indígenas de recente contato e isolados do mundo. Os contatos iniciais foram feitos pela docente amazonense na cidade de Atalaia do Norte.

A localização muito remota dos indígenas representou um desafio para a realização do estudo, necessitando de muito tempo e recursos financeiros para a execução da pesquisa. O apoio da Fapesp possibilitou o sucesso do trabalho. Houve então a primeira expedição, batizada de Expedição Leininger, em homenagem à primeira enfermeira a conduzir um estudo junto a populações indígenas em Papua Nova Guiné, na Oceania. “Este ano ainda iremos desenvolver uma segunda expedição, para cobrir outras etnias da Amazônia. No momento estamos na fase de obtenção das autorizações das lideranças indígenas por meio das suas associações”, anuncia Eliseth Leão.

A pesquisadora Elaine, o tradutor Chapu Matis e uma idosa Mati

Desafios

A chegada ao local das pesquisas foi uma verdadeira maratona de deslocamentos aéreos, terrestres e fluviais. Foram dois dias e meio navegando por mais de 500 quilômetros selva adentro até a chegada à primeira aldeia a ser estudada, com noites dormidas na beira de rios e enfrentando calor e muitos insetos, mais o fato de ser uma região com perigos próprios, território dos Korubo (os índios caceteiros), onde foram registrados incidentes com madeireiros.

“A fase de planejamento é crucial, pois uma expedição científica como essa requer logística detalhada. Tínhamos uma equipe especializada conosco, com piloteiros experientes e conhecedores da região, equipe de apoio e guias locais. A navegação requer cuidados redobrados para evitar acidentes com troncos”, conta a orientadora. “Pudemos contar com equipamentos de rastreamento da nossa embarcação, telefone satelital e outros procedimentos cuidadosamente descritos para manter a segurança da equipe e a tranquilidade necessária para a realização do estudo”, acrescenta.

Houve suporte de guias locais: Kell Wadick, Clovis Marubo e Turu Matis, pessoas fundamentais para o estabelecimento do primeiro contato. Eles funcionaram como tradutores na reunião que expôs a pesquisa e seus objetivos, facilitando a anuência dos líderes locais para sua execução. “Os indígenas foram muito receptivos, mas existe uma hierarquia de contato. Participaram da pesquisa, primeiramente os indivíduos de mais idade. As mulheres e crianças foram se aproximando aos poucos”, lembra Eliseth. Ela observou que a integração melhorou bastante após Elaine jogar futebol com as mulheres e a própria orientadora brincar de roda com as crianças, que não falam nenhuma palavra em português. “É uma relação de confiança que vai se estabelecendo por meio de uma atitude de respeito e comunicação com eles. Para além da pesquisa, laços de amizade são criados. Dois indígenas (Turu Matis, o nosso guia, e Pixi Matis, liderança jovem e professor) vieram para São Paulo com a Elaine para assistir sua defesa de mestrado no final de março”, conta Eliseth.

Medicina Tradicional Indígena: Marubo demonstrando utilização de rapé (cantado pelo pajé Marubo) para dor de cabeça

Barreiras

A figura do intérprete – muitas vezes um agente de saúde indígena da etnia – foi fundamental no processo da pesquisa. “Em muitos momentos precisamos fazer uma mesma pergunta mais de uma vez, pois percebíamos que algumas informações se perdiam no processo de tradução. Por isso aliamos outras técnicas de pesquisa, como os diagramas corporais onde os indígenas podiam apontar a localização corporal da dor”, explica a orientadora.

Outra ferramenta utilizada foi o uso de registros fotográficos que permitiram uma análise em quatro ensaios: mostrar minha dor (indicação da dor no próprio corpo), fatores potenciais da dor (atividades realizadas no cotidiano que podem se relacionar a quadros dolorosos), medicina tradicional indígena (utilização de medicina tradicional) e o futuro da dor (crianças executando tarefas que poderão se relacionar à dor no futuro, como por exemplo, o carregamento de peso).

Ainda que não representasse uma barreira em si, a obtenção de todas as autorizações necessárias (das lideranças locais e das suas respectivas associações) para o acesso ao lugar requereu empenho e resiliência durante alguns meses. Com as autorizações em mãos, foi possível obter aprovação ética do estudo, que é feita mediante a submissão do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, que o encaminha para à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), para atender a Resolução CNS nº 196/96 (Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos) e também a Resolução CNS nº 304/2000, que trata da pesquisa com populações indígenas. “Uma vez tendo a pesquisa aprovada pelo sistema CEP/CONEP, podemos solicitar autorização para ingresso em terra indígena junto à Funai (Fundação Nacional do Índio), que, por sua vez, encaminha o projeto para revisores do CNPq e somente após julgado o mérito do estudo, ela emite a referida autorização. E além disso, o projeto também foi avaliado pelos pareceristas da Fapesp, para obtenção do fomento à pesquisa”, explica a orientadora.

Indicação da dor no diagrama corporal: uma das formas de superar a barreira do idioma

Dados

Os resultados do trabalho no Vale do Javari indicaram que 73,2% dos entrevistados afirmaram ter dor no corpo e as áreas mais mencionadas foram os membros inferiores (46,6%), seguidos pela coluna (37,9%), articulações (35,5%), membros superiores (33,3%) e, por último, abdome (24,4%).

Entre as mulheres a dor tem um significado a mais: força. Nenhuma mulher, das três etnias, fez referência à dor do parto, quando questionadas sobre sensações dolorosas pregressas. “Isso mostra que a dor faz parte de um processo natural e não visto como anormalidade”, explica Elaine. Durante a entrevista para o estudo, 77,8% dos índios disseram estar sentindo dor.

Sobre intensidade, as respostas ficaram divididas. Enquanto 37,8% dos 45 participantes declararam sentir dores fortes, outros 33,3% alegaram intensidade fraca. Outros 26,7% não responderam a questão. “É importante ressaltar que o entendimento de forte, fraca e moderada também pode ser diferente do nosso, uma vez que os aspectos culturais podem interferir no limiar de dor”, explica Eliseth.

Equipe de Pesquisa da Expedição Leininger. Da esquerda para a direita: Jorge, Dario, Alex, Samuel. Elaine e Eliseth

Tratamento da dor

O “remédio do índio”, feito de acordo com as tradições de cada tribo e ervas, rituais e música foi apontado como fator de melhora da dor por 64,4% dos entrevistados, seguido pelo remédio do mato feito a partir de extratos da natureza como raízes e folhas (60%). Já os “medicamentos do branco” (comprimidos e xaropes, por exemplo) foram apontados como fator de melhora por apenas 22,2% dos indígenas. Respostas naturais, levando em consideração que 80% das pessoas da tribo ainda usam a medicina tradicional indígena.

A dor não é investigada pelos profissionais de saúde que prestam atendimento às três tribos na Amazônia. Esta foi a resposta de 73% dos participantes da pesquisa. Além disso, mais da metade – 51% – disse não estar satisfeita com a qualidade dos serviços de saúde ofertados. Técnicos em enfermagem e enfermeiros são a maioria entre os profissionais de saúde que atuam nessa área: representam 66,7%. A maioria (58,3%) tem entre um e cinco anos de experiência.

Uma proposta apresentada pelo estudo do Einstein foi o desenvolvimento de uma cartilha com informações e recomendações para o manejo da dor com base nas práticas culturais da medicina tradicional indígena. “A cartilha tem o objetivo de facilitar o diálogo entre as duas medicinas e dar um direcionamento para uma abordagem sobre a dor para atender ao indígena”, explica Elaine.

A cartilha, segundo Eliseth Leão, está pronta, mas precisa passar por um processo de tradução para o idioma indígena. “Esta cartilha tem como objetivo aproximar o diálogo entre os profissionais de saúde (que também foram entrevistados) e os indígenas sobre a temática da dor. Nela apresentamos alguns conceitos básicos sobre dor, sua avaliação e sobre a integração entre a e a Medicina convencional e a Medicina Tradicional Indígena (como uma forma de reforçar a importância de se preservar o conhecimento ancestral)”, informa a pesquisadora.

Registro etnográfico do idoso (potencial fator de dor)

“Além da divulgação científica que já estamos fazendo em nível nacional e internacional (o estudo será apresentado, em Boston, no evento mundial de dor), esperamos ter uma possibilidade de apresentar esses dados às autoridades ligadas à saúde indígena nos níveis federal e estadual”, diz Eliseth Leão. Um exemplar da dissertação de mestrado defendida pela Elaine já foi entregue ao coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari e será encaminhado também para a Funai. Além disso, conforme a orientadora, Elaine tem observado um maior interesse dos alunos de graduação em enfermagem no qual leciona sobre dor e saúde indígena, assim como dos alunos de medicina e enfermagem do Instituto Einstein também. “Isso já é também um grande ganho”, comemora a pesquisadora.

Medicina tradicional

A medicina tradicional indígena tem um aspecto ainda pouco conhecido. “Existe um conhecimento ancestral muito rico que precisa ser preservado e protegido de interesses que não valorizem o conhecimento tradicional ou que se aproprie dele de formas indevidas”, analisa Eliseth Leão. “Muitos medicamentos que temos hoje à disposição derivam da natureza e muito ainda há para ser aprendido. Um diálogo pautado no respeito e no intercâmbio de saberes pode ser muito benéfico para todos. A forma como eles se relacionam com a natureza também é um exemplo que a sociedade não indígena precisa aprender mais”, finaliza.

Tabela com resultados da pesquisa entre as tribos quanto à localização da dor
Tabela com informações sobre ocorrências de dores

* Com informações da assessoria da Sociedade Einstein

Fotos: Lis Leão

Centro de Aquicultura do Inpa foca em capacitação e desenvolvimento de ração experimental para peixes

Com a inauguração realizada em 21 de junho de 2018, a revitalização do Centro de Aquicultura do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) surgiu como um grande reforço para a piscicultura no Amazonas. No novo espaço, foram instaladas a fábrica de ração e uma sala de aula para 30 pessoas, onde é possível melhorar as pesquisas na área de nutrição de peixes nativos, produzir ração experimental de melhor qualidade e capacitar produtores e técnicos do setor.

Temos aqui um tipo de pesquisa com possibilidade de agregar e ter produtos voltados a toda a uma cadeia produtiva que atende diretamente a sociedade, mas hoje também temos a renovação de parceria que são tão importantes para as nossas instituições”, destacou o diretor do Inpa, o pesquisador Luiz Renato de França.

O Centro de Aquicultura é parte de um complexo de prédios da Estação Experimental em Piscicultura do Inpa. Criada em 1976, a estação possui uma área de quatro hectares no campus III (V8), localizado no conjunto Morada do Sol, Aleixo, zona Centro-Sul de Manaus. As obras da revitalização foram planejadas pelo setor de Engenharia e Arquitetura do Inpa.

Hoje estamos realizando um sonho antigo. A fábrica de ração já existia, mas numa estrutura precária e que não atendia as nossas necessidades. Agora, essa fabrica é o primeiro passo para que possamos modernizar também os equipamentos”, disse a pesquisadora do Inpa Elizabeth Gusmão, líder do Grupo de Pesquisa Aquicultura na Amazônia Ocidental.

Na fábrica de ração há uma extrusora, equipamento de grande porte que por anos ficou acomodada em um espaço inadequado, e que está passando por um processo de manutenção, com apoio do edital Pró-equipamentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). A extrusora monorosca possui a capacidade de produzir até 400 quilos de ração por hora.

O Centro de Aquicultura do Inpa foi inaugurado em 21 de junho e terá papel importante para a piscicultura no Amazonas

Atualmente são desenvolvidas formulações utilizando vísceras e carcaças de aruanã, já que do peixe é comercializado principalmente o filé, e farinha de inseto à base da mosca soldado negro. Essa mosca na fase larval é muito rica em proteína. As larvas da mosca são produzidas pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Das vísceras e carcaças podem ser feitos subprodutos para inserir na ração. E com a compra de um novo equipamento que ainda vai chegar – uma extrusora a frio – poderemos fazer ração para atender desde a fase larval do peixe até a fase do reprodutor com a produção de peletes maiores (granulometria maior), o que a gente não podia fazer”, disse a pesquisadora do Inpa Lígia Uribe.

A revitalização do Centro é um investimento do Projeto “Implantação de Unidades Demonstrativas Agroflorestais na Amazônia (IUDAA)”, subprojeto Aquicultura, coordenado por Elizabeth Gusmão. A coordenação geral é da titular da Coordenação de Tecnologia Social (Cots/Inpa), Denise Gutierrez. O IUDAA conta com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e atua nas áreas de piscicultura e plantios agroflorestais.

De acordo com o presidente da Fapeam, Édson Barcelos, a piscicultura é uma prioridade do Governo do Amazonas para financiamento e investimento em pesquisa. “Sem conhecimento não tem como ter uma piscicultura competitiva e precisamos fazer isso de forma sustentável contribuindo para a manutenção dos estoques pesqueiros naturais”, destacou. “Estamos trabalhando para termos um edital Pró-Estado grande para apoiar a piscicultura. Nossa meta é ter projetos de cinco, dez anos”, adiantou.

Na sala de aula serão ministrados cursos de extensão, com aulas práticas podendo contar com os laboratórios e os equipamentos do Centro de Aquicultura. As aulas são ministradas pela equipe de Aquicultura e parceiros do projeto IUDAA – Universidade Federal do Amazonas e Universidade Nilton Lins, que possui o curso de Pós-Graduação em Aquicultura (Mestrado e Doutorado) em ampla associação com o Inpa.

Piscicultura no Amazonas

Atividade emergente no Amazonas, mas com intenso potencial de crescimento, a piscicultura sofre com problemas cruciais. Um deles é o custo da ração, que responde de 75% a 85% da produção. Em Rondônia, um saco de 25 quilos de ração com 25% de proteína custa de R$ 30 a R$ 32, aqui sobe para R$ 39 a R$ 46.

Gerar conhecimento e tecnologias voltadas as nossas espécies nativas é fundamental nesse processo para que tenhamos vantagem competitiva”, destacou o secretário executivo adjunto de Pesca e Aquicultura, Geraldo Bernardino.

Conforme Bernardino, por ano, são comercializados no estado cerca de 50 mil toneladas de pescado advindo da piscicultura, metade é oriunda de Rondônia e Roraima. Das 25 mil toneladas produzidas no Amazonas, especialmente nos municípios próximos de Manaus, o tambaqui representa 90% e o restante é composto por matrinxã, pirapitinga e pirarucu.

Fotos: Cimone Barros/Ascom-Inpa

Suco de tamarindo apresenta atividade contra triglicérides

O uso de um suco preparado com farinha de tamarindo promoveu uma redução de 24% na taxa de triglicérides de voluntários. É o que mostra um estudo que avaliou os impactos do uso do fruto no controle dos distúrbios bioquímicos associados ao diabetes. A pesquisa foi realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e Universidade Estadual do Ceará (UECE). Triglicérides, ou triglicerídeos, são um tipo de gordura presente no sangue que, em quantidades elevadas, aumenta o risco de doenças cardíacas e outros problemas de saúde, principalmente quando o colesterol também está alto.

O consumo do tamarindo também promoveu leves reduções no colesterol total, no índice de massa corporal e na circunferência da cintura dos voluntários. O estudo apontou ainda que o produto apresenta baixo índice glicêmico (IG). Esse indicador mostra o quão rápido um alimento ingerido consegue aumentar a glicemia (a glicose no sangue).

Participaram do experimento 164 adultos e idosos com diabetes, com peso adequado ou até leve obesidade. Do total, 82 pacientes apresentavam glicemia controlada e os demais, glicemia elevada. Durante quatro semanas, metade dos voluntários consumiu o suco preparado com a farinha de tamarindo e a outra ingeriu placebo.

Potencial

A intervenção contou com cinco encontros. A cada encontro, os voluntários recebiam envelopes com desidratado de tamarindo, para utilização ao longo da semana. Os pacientes passaram por consultas e exames para determinação do perfil glicêmico e lipídico, verificação da ingestão alimentar e avaliação antropométrica (medidas de peso, altura, circunferência da cintura e do quadril). Os resultados deixaram os cientistas animados. A equipe acredita que o produto pode ser utilizado como adjuvante para o controle do perfil lipídico de indivíduos com diabetes.

A pesquisadora Ana Paula Dionísio, da Embrapa Agroindústria Tropical (CE), esclarece que o estudo com alimentos funcionais busca o desenvolvimento de novos produtos que promovam benefícios à saúde dos consumidores. “Com esse tipo de resultado, temos condição de incentivar a população a consumir mais frutas. Com isso, incentiva-se também a produção”, completa o pesquisador Nedio Jair Wurlitzer, da mesma Unidade de pesquisa da Embrapa. A pesquisa foi financiada pela Embrapa e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Efeito específico

A nutricionista Tatiana Uchôa Passos, responsável pela etapa da pesquisa com os pacientes no Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH), diz que nenhum dos medicamentos distribuídos pelo sistema público de saúde no Brasil apresenta ação específica sobre o triacilglicerol (triglicérides) no sangue. Segundo ela, os remédios agem sobre o perfil lipídico como um todo, especialmente sobre o colesterol total. “Observando por esse aspecto, a utilização da farinha de tamarindo seria ainda mais interessante para aqueles pacientes cuja inadequação lipídica seja apenas nos triglicérides”, conclui a nutricionista que desenvolveu tese de doutorado sobre a pesquisa.

De acordo com Tatiana Uchôa, as demais variáveis investigadas ainda carecem de avaliação. “Diante da inovação proposta pela ideia desse projeto e da significância estatística encontrada com relação aos triglicérides, ficamos satisfeitos com os resultados e também instigados a dar continuidade aos estudos futuramente”, conta.

A nutricionista ressalta, ainda, que é necessário ter hábitos alimentares saudáveis para que, ao se consumir alimentos com atividade fitoterápica ou funcional, eles possam, de fato, ser aproveitados. “A fitoterapia possui resultados ainda mais evidentes quando associada a um plano alimentar saudável e individualizado”, afirma.

O consumo do tamarindo também promoveu leves reduções no colesterol total, no índice de massa corporal e na circunferência da cintura dos voluntários (Foto: Reprodução da internet)

Redução da acidez da fruta

Uma desvantagem do tamarindo é a elevada acidez, que provoca rejeição em um determinado grupo de consumidores. Para aumentar a aceitação de derivados da fruta, a Embrapa Agroindústria Tropical atua agora no desenvolvimento de um suco de tamarindo com acidez parcialmente neutralizada. “O tamarindo é muito ácido, e muitas pessoas rejeitam ou então diluem muito o suco”, diz a pesquisadora Ana Paula Dionísio.

Os pesquisadores também estão testando o tamarindo parcialmente neutralizado para averiguar se as propriedades benéficas serão mantidas. Esses testes estão em andamento com a parceria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Paralelamente, a equipe do Laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais da Embrapa avalia quimicamente os produtos, para investigar quais os componentes responsáveis pelos efeitos benéficos à saúde. “Se identificarmos que polifenóis atuam com as fibras, para o efeito na saúde, teremos a possibilidade de concentrar esses componentes e utilizar em um novo produto”, explica Nedio Wurlitzer.

Alimentos funcionais

O desenvolvimento da farinha de tamarindo e a avaliação dos efeitos em pacientes com diabetes fazem parte de uma linha de estudos com alimentos funcionais desenvolvida na Embrapa Agroindústria Tropical. De uma forma geral, o esforço de pesquisa, desenvolvimento e inovação nos estudos com alimentos funcionais começa com a identificação e caracterização de novos componentes bioativos aplicáveis em alimentos e suplementos alimentares. As pesquisas evoluem para o uso dessas matérias-primas no desenvolvimento de produtos comprovadamente funcionais, com formulações diferenciadas, versáteis e adequadas às necessidades dos consumidores.

Os pesquisadores observam como o processamento pode ampliar os efeitos desejáveis dos componentes bioativos, bem como a estabilização desses ingredientes para a produção de insumos industriais ou produtos finais. Quando necessário, são realizados ensaios de toxicidade, testes pré-clínicos e clínicos envolvendo células, animais e, por fim, grupos de consumidores, para avaliar e comprovar os efeitos benéficos à saúde humana.