Inpa vai realizar em parceria maior soltura de peixes-bois da Amazônia no final de semana

Doze peixes-bois da Amazônia serão reintroduzidos no próximo fim de semana na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, próximo ao município de Beruri e a 173 quilômetros de Manaus. Esta será a maior soltura de peixes-bois da Amazônia já realizada na história. A ação, que inicia dia 22 e vai até dia 25 de março, é realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC), em parceria com o Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia e o Museu na Floresta.

O Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia é patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e executado pela Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa) em parceria com o Projeto Museu na Floresta, uma cooperação com a Universidade de Quioto (Japão).

Os animais que serão devolvidos à natureza foram vítimas de caça ilegal ou captura acidental, explica o responsável pelo Programa de Reintrodução de Peixes-bois, biólogo Diogo de Souza. “Os peixes-bois filhotes resgatados são reabilitados no Inpa em tanques de fibra. Geralmente, eles perdem a mãe para a caça ou são pegos em redes de pesca”, diz Souza, que é mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Inpa.

A coordenadora do Projeto, a pesquisadora do Inpa Vera da Silva, alerta que o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis) é uma espécie ameaçada de extinção e por isso o Programa de Reintrodução é essencial para a conservação da espécie. “Eles são animais dóceis e com movimentos lentos, por isso acabam sendo alvos para a caça. E para restabelecer a população dessa espécie, que é muito importante para o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos, a Ampa e o Inpa realizam o Programa de Reintrodução de Peixes-Bois há dez anos”, explica a pesquisadora que é doutora pela Universidade de Cambridge.

O Inpa já reintroduziu aos rios da Amazônia 23 peixes-bois. Desde 2016, eles são soltos na RDS Piagaçu-Purus, baixo rio Purus, onde as comunidades dessa unidade de conservação do estado do Amazonas são parceiras do Programa. A última soltura aconteceu em abril de 2018, quando foram reintroduzidos dez animais, cinco machos e cinco fêmeas.

“Nossa ideia é levar de maneira recorde doze animais de uma só vez. O sucesso das solturas passadas com os animais se readaptando muito bem à natureza, nos permitiu acelerar o processo”, ressalta o responsável pelo programa de Reintrodução.

Readaptação à natureza

Após a reabilitação, os animais passam pela etapa de semicativeiro em uma fazenda de piscicultura em Manacapuru durante um ano, antes de serem selecionados para serem soltos na natureza. Já na área de soltura, a várzea da Reserva Piagaçu-Purus, os animais estão aptos para se alimentar sozinhos, explica Souza.

“Eles comem por dia o equivalente a cerca de 10% do seu peso e no cativeiro, em Manaus, são alimentados prioritariamente com vegetais cultivados e capim membeca. Na Reserva, estes animais terão uma diversidade na dieta de mais de 60 espécies de plantas aquáticas”, comenta.

Os animais selecionados têm idade entre três e 16 anos, pesam cerca de 120 quilos e medem em média 2 metros de comprimento. Os resultados clínicos foram satisfatórios e selecionados os doze animais mais aptos para a soltura (sete fêmeas e cinco machos). Os machos são o Terra Nova, Otinga, Piraporã, Manicoré e #183 (ainda sem nome); e as fêmeas Ayara, Poraquequara, Janã, Jaci, Maná, Anibá e Urucará.

Conforme Souza, os animais estão em boas condições de saúde, com peso e tamanho adequados. “Dos 12 animais, cinco receberão os cintos transmissores para monitoramento pós-soltura”, destaca o biólogo, e acrescenta que os outros sete serão soltos diretamente na natureza e não serão monitorados em razão de 100% de sucesso na adaptação dos outros indivíduos que já foram reintroduzidos.

A operação

A equipe sairá da sede do Inpa, em Manaus, na madrugada de sexta-feira (22) e deverá chegar ao amanhecer no lago do semicativeiro, em Manacapuru. Lá, os doze peixes-bois selecionados deverão ser recapturados e retirados do lago um a um e transportados de caminhão até o barco, numa distância de 500 metros.

O barco, ancorado as margens do rio Solimões, estará equipado com três piscinas de fibra para acondicionar os animais durante a viagem, que deverá durar 15 horas até a Reserva Piagaçu-Purus, localizada entre os interflúvios Purus-Madeira e Purus-Juruá.

Durante a viagem, os animais serão monitorados em tempo integral pela equipe do Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA/Inpa), para avaliar o comportamento dos animais, verificar a frequência respiratória e troca de água das piscinas.

A chegada dos peixes-bois na Reserva está prevista para a manhã de sábado (23), quando haverá uma atividade de educação ambiental com os moradores das comunidades da reserva para conscientizar sobre a importância da preservação do peixe-boi.  À tarde do mesmo dia, a expedição segue para o local de soltura, um lago de várzea na RDS Piagaçu-Purus.

Serão soltos na natureza oito animais no primeiro dia, e outros quatro no segundo dia, e iniciado o monitoramento por radiotelemetria. Após o encerramento das atividades, previsto para a tarde do dia 24 de março (domingo), a equipe retorna para a capital devendo chegar na manhã seguinte (25).

Foto: Luciete Pedrosa/acervo Inpa

Captura acidental também é ameaça para os peixes-bois na região amazônica

O aumento da captura acidental de filhotes de peixes-bois-da-amazônia em redes de pesca no Amazonas, nas últimas semanas, preocupa cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Do dia 31 de maio até meados de junho foram cinco capturas de filhotes da espécie ameaçada de extinção, dos quais três já chegaram ao Instituto e estão sob cuidados. Em um ano, o Inpa recebe de 10 a 12 animais.

De acordo com o veterinário Anselmo D’Affonseca, o estado geral dos animais é bom, mas por serem muito pequenos inspira cuidados. “Antigamente a gente recebia quase 80% dos filhotes em péssimas condições, hoje é o contrário”, contou.

A instituição está planejando uma campanha de sensibilização para orientar pescadores e comunitários a como proceder no caso de captura acidental de filhotes de peixes-bois em redes de pesca, a mais comum é a malhadeira. Se o filhote ficar preso na malhadeira e aparentemente está em bom estado de saúde, ainda que com pequenos arranhões e cortes superficiais, a orientação é soltá-lo imediatamente porque a mãe pode estar próxima, mesmo que a pessoa não a veja. O animal possui “ótima cicatrização”.

Essa é uma espécie que tem um cuidado parental forte e dificilmente a mãe abandona. Muitas vezes, o filhote cai na malhadeira colocada no capinzal e nas bordas do igapó, mas a mãe pode estar perto”, explicou a chefe do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Inpa, a pesquisadora Vera Silva. “Se a mãe estiver por ali, ela vai chamar o filhote e ele vai na direção da mãe. Porém, se tirar o filhote do local, a mãe não vai mais ouvir e vai embora”.

De acordo com o veterinário Anselmo D’Affonseca, o resgate para transportar o animal para o Inpa é indicado nos casos em que o filhote de peixe-boi está muito magro, com ferimentos graves e cortes profundos. “Ou ainda filhotes que aparentam estar com problemas, como ficar boiando ou virar de barriga para cima”, orientou. Os resgates são feitos pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).

Conforme o veterinário, a espécie mama até os dois anos e a chance de o filhote que fugir sobreviver sozinho na natureza é mínima, caso não encontre a mãe. “Nos tanques do Inpa já houve caso de uma fêmea que perdeu o bebê adotar um filhote”, conta D’Affonseca. “Também existe a possibilidade de em alguns dias esse mesmo filhote ser encontrado por ribeirinhos”, completou.

No Instituto, os filhotes ficam até os dois anos no berçário do Parque Aquático Robin C. Best, Bosque da Ciência, onde recebem mamadeira com fórmula artificial desenvolvida pela Inpa, depois são desmamados e vão para o tanque maior, onde permanecem de dois a três anos até entrarem no Programa de Reintrodução de Peixes-Bois.

Anselmo D’Affonseca, veterinário: resgate pelo Inpa é indicado nos casos em que o filhote de peixe-boi apresenta sequelas (Foto: Cimone Barros/Ascom Inpa)

Reabilitação

Atualmente, há 56 peixes-bois nos tanques de Manaus (área de cativeiro), 18 deles filhotes. Na fazenda de Manacapuru (município a 68 quilômetros de Manaus) estão outros 13 animais que passam pelo processo de preparação (semicativeiro) antes da soltura definitiva na natureza. Há mais de 40 anos o Inpa trabalha com a reabilitação e pesquisas com esses animais.

Conforme D’Affonseca, a reprodução do peixe-boi está associada ao ciclo hidrológico da Amazônia. O pico dos nascimentos ocorre de fevereiro a maio, quando as águas já subiram e há uma farta oferta de alimento para as fêmeas que estarão em período final de gestação ou amamentando, o que exige alta demanda energética. “Mês de junho não é comum recebermos filhotes. Isso acontece nos meses anteriores, e ainda estamos tentando entender o que houve para recebermos essa ‘chuva de filhotes’ agora”, contou.

Herbívoros, na natureza os peixes-bois se alimentam de plantas aquáticas como capim membeca, capim-navalha e mureru. No cativeiro, o cardápio é complementado com vegetais como abóbora, cenoura, feijão de metro e couve.

Mamífero aquático mais caçado do país, o peixe-boi enfrenta ainda outras ameaças como a destruição e degradação ambiental. A caça do animal é proibida desde 1967, porém a carne ainda é muito apreciada na região, exigindo um intenso trabalho de sensibilização ambiental e de fiscalização.

A reprodução do peixe-boi começa tarde, por volta dos dez anos de idade, com a gestação levando 12 meses. A fêmea dá a luz a apenas um filhote a cada três anos e amamenta o filhote por dois anos. Parente do elefante, o peixe-boi adulto pode medir até três metros de comprimento e chegar a quase meia tonelada. Na natureza, o peixe-boi pode viver até 60 anos. No cativeiro do Inpa tem animal com mais de 40 anos.